quarta-feira, 19 de novembro de 2008




























A impaciência dos carros que descem a Coronel Escolástico em pleno
rush, a pressa dos transeuntes e a espera dos fiéis que freqüentam a
missa das 19 horas da Igreja São Benedito terão um novo compasso neste
20 de novembro, Dia da Consciência Negra. É que o Instituto Mandala
promove o espetáculo ‘Ritmo dos Tambores’ - de 1 hora e apresentação
única - no largo da Igreja com a participação de vários parceiros,
como os grupos percussivos Batuquenauá, Bloco Afro Tri Pegada, os
artistas do Ayoluwá e o grupo de siriri de Mata Cavalo. Tem ainda a
reprodução do ‘Blues de São Benedito’, uma canção-homenagem ao
padroeiro, feita pela banda Lynhas de Montagem.
O santo negro de certo acompanhará a manifestação em honra aos que
ainda sofrem com o preconceito - nivelado que seja -, mas se alegrará
com o vigor das batucadas quase cardíacas de instrumentos artesanais
feitos a partir da reciclagem do lixo seco. É a música que sai do lixo
executada por crianças de grupos de vários locais da cidade,
assistidos pela metodologia desenvolvida pelo Instituto Mandala, em
mais de três anos de pesquisas.
Dia-a-dia esta organização dedica-se a tranformar vidas, assim, como
São Benedito continua a proteger os seus. São Benedito, a propósito,
‘arriscava a pele’ pelos seus irmãos carentes. Ele, a exemplo, tinha o
costume de recolher os restos de comida do convento em seu avental de
cozinha, para distribuí-los depois aos pobres.
Certa vez o Santo encontrou-se com o vice-rei da Sicília, Dom
Marcantonio Colonna, que, atraído pela fama de sua santidade, veio
visitá-lo. Curioso, o ilustre visitante perguntou a Benedito o que
levava com tanto cuidado. Ele simplesmente abriu o avental e mostrou …
flores! Elas eram tão frescas e aromáticas que o vice-rei levou-as
para o altar de sua capela particular. Tal qual São Benedito revelou
que o alimento tomou as vezes de uma flor, o Instituto Mandala revela
com o seu trabalho que o lixo pode traduzir a arte. Nada de milagres,
claro. Nesse caso, são pessoas comuns apostando no poder de
transformação através da cultura.
Nesta apresentação - como em tantas outras -, a revisitação da
história regional é marcante, tanto ao reverenciar São Benedito,
quanto ao entoar canções populares, como um pout-porri de rasqueado
que traz entre outras, ‘Pixé’, de Moisés Martins, ‘A Lua’ e
‘Caximbocó’, de Roberto Lucialdo. Plural, o repertório tem ainda,
dance, pancadão e black music.

O Instituto

“O evento desta quinta-feira representa a consolidação do trabalho de
fusão dos ritmos que o Mandala instituiu em seu projeto. Nossa
pesquisa sempre foi feita em cima dos ritmos afros e a incursão
cultural por este dia se faz necessária, imperativa”, resume uma das
idealizadoras do projeto, a produtora cultural Elaine Santos.
O principal responsável por tudo isso, o músico Anselmo Parabá foi
quem deu início às pesquisas. Do rock chegou até os sons da black
music, daí em diante, esforçou-se por linkar seu trabalho artístico
com um projeto social. O que ele queria era ensinar música. Nem mesmo
os apelos da faculdade de rádio e TV e curso técnico de edificações
conseguiram o envolver. Queria era ser músico profissional. Vivendo
num bairro afastado do centro, pensou: ‘como ensinar música num bairro
violento como o Tijucal e ainda, sem incentivo nenhum?’
Daí pesquisou mais e teve conhecimento de projetos que atendiam essa
realidade e especialmente, com a utilização de instrumentos
alternativos de percussão. Ele chegou até o Afroreggae.
Então, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura viajou até o Rio
de Janeiro e ficou lá por dez dias. Logo, ficou mais seis em Brasília
para incursionar no projeto do Som Catado. Dessa vez, por conta
própria.
Foi assim que em maio de 2006 surgiu o primeiro grupo do Instituto
Mandala. A banda, Mandala Soul, já existia desde janeiro. A tecladista
Katiuscia Ribeiro ajudou no desenvolvimento da metodologia pedagógica
por que ela já havia trabalhado no projeto Nóis do Morro, no Rio de
Janeiro, para onde ela retornou e está até hoje.
Depois dela, o Instituto foi recebendo reforços importantes, como é o
caso do produtor cultural, Nildo. “A primeira apresentação do grupo
foi num evento do Conservatório Lorenzo Fernandes, no dia 17 de
novembro de 2006. Aplaudido com vigor, o grupo tinha apenas duas
semanas”, relembra Elaine.
Mais tarde, em fevereiro de 2007, o Mandala acolheu Danilo Bareiro,
Wellington Andrade, Éder Uchôa e Umberto Lima. Se antes, eles
trabalhavam com o grupo da PM Mão Amiga, no Tijucal, passaram a ter
outro, no Espaço Silva Freire, que atendia crianças do entorno. A
partir dessa época foram desenvolvidas também atividades paralelas
como aulas de redação, de elaboração de zines e teatro, entre outras.
Atuaram em projetos variados como na Ong Criança Feliz (no bairro
Sucuri), PM Mão Amiga, Xamé, Pro-Jovem, Porto das Artes e em escolas
públicas, como a Raimundo Pinheiro e Senador Azeredo.
Até hoje eles continuam desenvolvendo os conceito de conservação
ambiental, reciclagem de lixo seco e luthieria alternativa. O Mandala
quer continuar multiplicando os ritmos.

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